quarta-feira, 19 de novembro de 2014
“Chá” ou “tisana”?
Você deve estar com um ponto de interrogação no meio da testa por causa da palavra “tisana“.
É, para a maioria de nós, “tisana” é uma palavra forasteira mas vou apresentá-la a você de um jeito que nunca mais vai esquecer.
Segura essa: você não sabe o que é um “chá” de verdade.
É que você aprendeu errado, seus pais aprenderam errado, seus avós, professores, amigos. Todo mundo foi “enganado”. Mas foi sem querer, tá? (Para você ficar com menos trauma.)
Quase nada do que o brasileiro chama de “chá” é chá. É como se a gente resolvesse “fazer café” com uns grãos aí que não fossem os de café. Loucura, né?
Vou começar a explicar pelo que é para depois você entender o que não é.
O que é “chá” e o que é “tisana”
O chá é uma bebida feita de uma erva chamada Camellia sinensis, nativa do leste da Ásia. Elas são colocadas de molho na água quente e está feito um chá de verdade. Porém, alguns fatores como o local onde a erva foi cultivada, como as folhas foram processadas, tamanho das folhas e dos sabores incorporados (como jasmin, flores de laranjeira, bergamota) podem variar não só o sabor da bebida mas também o nome que damos a ela.
Os chás finos são produzidos na China, no Japão, na Índia, no Sri Lanka (Ceilão) e no Quênia, com uma grande variedade de preços e qualidades.
Via de regra, os chás são produzidos da mesma forma até um certo ponto: as folhas são colhidas, passam por uma secagem e são desidratadas, pela exposição ao sol ou por um ar quente. Depois disso, eles se dividem em três caminhos, que resultarão em chás diferentes.
Antes de falar sobre esses caminhos, gostaria de esclarecer umas coisinhas que um bom bebedor de chá precisa saber.
As folhas de chá contêm “taninos” – você já deve ter lido esse nome em algum rótulo de vinho. Os taninos são uma combinação de várias substâncias químicas de origem vegetal (polifenóis), que dão à bebida boa parte de seu sabor e textura. É ele que dá aquele efeito de adstringência na boca, como se você tivesse mordido uma fruta verde. Sabe quando você toma um chá e parece que dá um nó na sua língua? É uma sensação de que a boca está seca, áspera e contraída. Você já deve ter mastigado uma casca de uva verde, comido uma banana verde ou sentido essa “dureza” na boca com algum vinho. É o tanino.
Fora no chá verde, compostos de taninos são fermentados e… Ops, peraí!
Quando falamos de chás, o que chamamos de “fermentação” é, na verdade, uma “oxidação” por enzimas da própria planta. Não tem nada de fermentos e bactérias, é um processo químico e não biológico. Entre os produtos resultantes dessa oxidação, estão compostos de cor bronze e laranja (a quem interessar: rubigina e flavina) que dão ao chá o colorido e o sabor, respectivamente. Você já deve estar imaginando que o tempo de oxidação também determina a cor e o sabor do chá, certo? É isso mesmo. E ela pode ser interrompida com ar quente, que desativa a enzima que propicia a oxidação.
Acompanhe então comigo os caminhos dos três tipos de chás, de forma bem resumida:
Chá verde
Feito com folhas jovens da planta do chá, que não são fermentadas – como acontece com o chá preto e o oolong.
Após a colheita, as folhas são desidratadas com ar quente ou então torradas em panelas de ferro para desativar as enzimas das células da planta que propiciam a oxidação (falei disso logo ali em cima, quando me referia ao processo de interrupção da reação nos chás que são oxidados), prevenindo assim a fermentação (oxidação).
Consumido principalmente na Ásia, o chá verde virou febre aqui no Brasil há alguns anos, por suas prováveis propriedades antioxidantes, desintoxicantes e diuréticas – o que é explicado pelo fato de não haver a oxidação dos polifenóis, que são antioxidantes e nos protegem dos radicais livres.
Chá preto
As folhas são machucadas para expor seu interior ao oxigênio e para liberar a “enzima da oxidação do chá” (se interessar: é a polifenol oxidase, porque oxida os polifenóis nas folhas, os taninos). A cor, resultantes da oxidação, pode ir do âmbar ao vermelho; enquanto o sabor se torna pouco adstringente.
Chá oolong (“dragão preto”, em chinês)
Também é feito de folhas jovens, porém semifermentadas, o que faz com que o sabor deste chá fique entre o do chá verde e o chá preto.
O processo é exatamente o mesmo do chá preto, só que com um tempo de oxidação menor, fazendo com que sua cor seja mais suave (entre um amarelado e um âmbar-claro) e o sabor mais ou menos adstringente.
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Cada um desses tipos de chá poderão ser aromatizados através de um armazenamento feito com flores (como flores de laranjeira, jasmin ou bergamota) ou mesmo com essências. Daí cria-se uma variedade de chás – você já deve ter reparado pelo menos nos chás verdes, como são vendidos com uma porção de aromas diferenciados.
“Mas e o chá mate, o chá de camomila, o chá de boldo e todos os chás que eu conheço?”
Aí é que é a parte do “não é”.
Fora a Camellia sinensis, qualquer material vegetal (ervas, folhas, flores, raízes, cascas, frutos…) pode ser colocado de molho na água quente para fazer uma infusão, que é chamada de “tisana“. Pode ser uma infusão de camomila ou de ervas venenosas, mas será sempre uma “tisana”.
“Ah, mas eu chamo de ‘chá de ervas’, não está certo?”
Não. Chá é chá, tisana é tisana. Quando não for uma infusão de Camellia sinensis, não é chá.
“Então quando eu coloco os pés de molho na água quente, estou fazendo uma infusão?”
Não, porque seu pé não é um material vegetal e não vai resultar em uma bebida aromática.
“Entendi muito bem. Tisana não é chá e chá não é tisana.”
Nananina. Chá é tisana também, só que leva o nome de chá porque é feito da Camellia sinensis.
“Mas esse nome ’tisana’ é muito feio.”
Se você não se sentir à vontade de chamar de “tisana”, pode falar que é uma “infusão de erva ‘tal’”.
E aí? Quem começa primeiro?
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História e Curiosidades da Culinária
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